segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Entrevista com a Federação Anarquista do Rio de Janeiro/FARJ


1- Como surgiu a FARJ?

A FARJ foi fundada no dia 30 de agosto de 2003, mas originou-se de um processo iniciado 15 anos antes, quando houve uma primeira rearticulação dos anarquistas cariocas a partir do Círculo de Estudos Libertários (CEL). O CEL, idealizado por Ideal Peres e Esther Redes, veio a reunir em suas atividades semanais, militantes libertários que haviam atuado antes e durante a ditadura militar, e jovens recém-chegados ao anarquismo. Desse contato entre gerações, muita coisa começou a surgir, como os primeiros grupos anarquistas pós-ditadura, publicações e eventos libertários, manifestações de 1º de maio, militância estudantil libertária. No CEL, os mais jovens se aprofundavam na história e na teoria anarquista, bem como conheciam a rica trajetória do movimento libertário no Brasil. Ideal Peres, filho de Juan Perez, importante militante anarquista e sindicalista nos anos 20 e 30, havia convivido com José Oiticica, Edgar Leuenroth, Diamantino Augusto, Pedro Catalo, Manuel Perez e muitos outros. Foi Ideal quem conectou essa nova geração de militantes com o passado de lutas do anarquismo brasileiro. Com a morte desse companheiro, em agosto de 1995, o CEL passou a se chamar Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres (CELIP). Foi mais ou menos nessa época que conhecemos a linha política e as experiências sociais da Federação Anarquista Uruguaia (FAU) e, a partir daí, começou um processo denominado Construção Anarquista Brasileira (CAB) que, com altos e baixos, evoluiu rapidamente a partir da segunda metade da década de 90. Resumidamente, a CAB propunha a formação de organizações específicas que retomassem o vetor social perdido pelo anarquismo brasileiro desde os anos 30. A primeira dessas organizações formada no país foi a Federação Anarquista Gaúcha (FAG). O Libera...Amore Mio, informativo do CELIP, foi um dos principais divulgadores e incentivadores desta retomada de um Anarquismo Social. Desde meados dos anos 90, vínhamos tendo algumas experiências importantes, como a participação na ocupação do edifício-sede da Petrobras, em algumas ocupações de sem-teto e no movimento estudantil. Em 2002, os anarquistas ligados ao CELIP e à Biblioteca Social Fábio Luz, iniciaram um grupo de estudos sobre formas de organização anarquista. Reuníamos-nos mensalmente para discutir textos clássicos e atuais, o que nos serviu para fundamentar a experiência prática até então acumulada, bem como canalizar todo um potencial de atuação social que se abria à nossa frente. No final de agosto de 2003, fundamos a FARJ.


2- Como é a estrutura da organização?

Vocês são organizados por todo o estado ou só na capital? Estamos organizados somente na cidade do Rio de Janeiro. Há militantes de outras cidades da Região Metropolitana, mas todos participam de uma única organização que é dividida em três frentes: movimentos sociais urbanos, comunitária e anarquismo e natureza. Dentro da organização há funções internas (secretariados de formação política, comunicações e relações, organização, finanças e infra-estrutura) e as funções externas que são desenvolvidas no âmbito das frentes. Cada frente é envolvida com uma ou mais tarefas práticas, tendo como ênfase a criação e/ou participação nos movimentos sociais. Portanto, todos os militantes da organização desenvolvem estas tarefas internas e externas. Há ainda uma outra instância, dos militantes de apoio, que são pessoas do RJ e de fora que possuem interesse em ajudar a FARJ em seus trabalhos (internos e externos). A diferença é que os militantes, por terem maior nível de compromisso, têm mais direitos e mais deveres. Os militantes de apoio, com menor nível de compromisso, têm menos direitos e menos deveres. A idéia é que cada um delibere sobre aquilo que poderá realizar. A organização é regida por um programa, que chamamos “Anarquismo Social e Organização”, que aprovamos no Congresso de 2008 e que publicamos há algum tempo em livro.


3- Quais são os principais trabalhos que a FARJ vem executando?
Frente de Movimentos Sociais Urbanos. Vem realizando um trabalho permanente com as ocupações urbanas do Rio de Janeiro desde 2003, e dando continuidade às experiências que tivemos com o movimento sem-teto ainda na década de 1990. Esta frente encampa também, neste momento, a reconstrução do Movimento dos Trabalhadores Desempregados do Rio de Janeiro (MTD), que luta pelo trabalho em todo o país, e existe no Rio de Janeiro desde 2001. O MTD retoma sua força agora, se rearticulando e nucleando pessoas de comunidades e favelas para a luta. Além disso, esta frente possui relações com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para o qual vem oferecendo, em São Paulo e no Rio de Janeiro, cursos de formação política. A frente está próxima e realiza atividades, também, com outras entidades e movimentos sociais como Assembléia Popular (RJ) e a Frente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST).

Frente Comunitária. É responsável pelo Centro Cultura Social do Rio de Janeiro (CCS-RJ), um espaço social aberto, que mantemos na zona norte da cidade e que agrega uma série de atividades comunitárias de reciclagem de lixo; reforço escolar e cursinho pré-vestibular para a comunidade do Morro dos Macacos; oficinas de teatro, literatura e cinema; eventos culturais; comemorações e reuniões de diversos tipos. Esta frente também é responsável pela Biblioteca Social Fábio Luz (BSFL), que existe desde 2001 e, no âmbito da qual funciona o Núcleo de Pesquisa Marques da Costa (NPMC) que, fundado em 2004, tem o objetivo de produzir teoria para a organização, além de pesquisar a história do anarquismo no Rio de Janeiro. O NPMC também edita o informativo Emecê, que já está em seu 12º número. Além disso, a frente comunitária é responsável pelo Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres (CELIP), espaço público da FARJ que tem o objetivo de realizar palestras, debates e exibições de vídeos para aproximar novos interessados no anarquismo.

Frente Anarquismo e Natureza. Atua em movimentos sociais rurais e agrupamentos que trabalham com agricultura e ecologia social. Ela possui contatos e trabalho com o MST, a Via Campesina e espaços como a Cooperativa Floreal e o Núcleo de Alimentação e Saúde Germinal. Realiza cursos e oficinas pedagógicas em ocupações, favelas, assentamentos, escolas e comunidades pobres. Tudo isso, com o objetivo de resgatar a agricultura, a agroecologia, a ecologia social, a ecoalfabetização e a economia solidária. Busca envolver em suas atividades trabalhadores, militantes dos movimentos sociais e estudantes, além de ajudar a articular a criação de redes entre trabalhadores do campo e da cidade.

Para atender a uma demanda importante, encabeçamos um projeto “transversal”, no qual se inseriram todas as frentes, que se chama Universidade Popular (RJ). Tal proposta desdobrou-se, de fato, em uma iniciativa de educação popular anticapitalista, voltada para a transformação da sociedade, tendo como tática a formação política no seio dos movimentos sociais.


4- Nacionalmente como se dá a relação de vocês com outros anarquistas, especialmente os grupos que não estão em regiões metropolitanas?

Temos relações orgânicas com a Organização Resistência Libertária, de Fortaleza e também com a Pró-Federação Anarquista de São Paulo. Com estas organizações temos contatos freqüentes seja por e-mail, telefone e com alguma periodicidade pessoalmente. Além disso, iniciamos uma aproximação formal com o Fórum do Anarquismo Organizado – FAO (no qual, aos poucos, estamos nos integrando) e suas quatro organizações: Federação Anarquista Gaúcha (Rio Grande do Sul), Rusga Libertária (Mato Grosso), Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (Alagoas) e Vermelho e Negro (Bahia). Com o FAO estamos começando a trabalhar juntos no periódico Socialismo Libertário e discutindo outras possíveis aproximações (dos níveis político e social). O cenário brasileiro está muito animador para nossa tendência (especifista); há uma intenção mútua de aproximação e de construção de algo em âmbito nacional.


5- Como vem sendo a receptividade do povo carioca para com as propostas libertárias?

Na realidade as propostas que defende a FARJ são materializadas pelas frentes de atuação da organização junto aos movimentos sociais no Rio de Janeiro. Nesse sentido, o que fazemos nos trabalhos com os Sem-Teto, Sem-Terra, Trabalhadores Desempregados, Movimentos de Agroecologia, Sindicatos, Cooperativas de produção e consumo, além da relação com a comunidade onde se localiza o Centro de Cultura Social, é reforçar as premissas desde sempre defendidas pelos libertários. Onde conseguimos inserção, ou mesmo nos locais que freqüentamos sem maiores interferências, fazemos, através da nossa prática e com material impresso, a propaganda do federalismo, da autogestão e da democracia direta. As experiências têm evidenciado que muitos trabalhadores, mesmo quando sequer tiveram contato com a ideologia, afinam-se com as nossas metodologias. Reconhecem nelas valor superior ao centralismo “democrático” dos partidos de esquerda, de definição marxista-leninista, e percebem que não nos encontramos misturados aos meios políticos tradicionais, portanto, sem as práticas oportunistas características da democracia representativa burguesa. A própria falência do modelo tem auxiliado para que as pessoas prestem mais atenção em novas formas de organização. Assim, dentro das nossas possibilidades, com diligência e fiéis aos fins e princípios que norteiam a nossa organização temos conseguido o respeito de muitos, a admiração de alguns e a adesão direta ou não de outros tantos cariocas.Para nós, ainda mais importante, é que a palavra revolução volte a ter o significado popular sem o qual toda e qualquer tentativa de mudança acabará redundando em alterações superficiais no quadro político, sem jamais alcançar os meios sociais.


6- Agradecemos a entrevista e desejamos toda a força para a continuidade da luta da FARJ. O espaço é de vocês.

Obrigado pelas palavras e pelo espaço. Desejamos a vocês também muito sucesso nessa empreitada que sabemos ser difícil, mas extremamente importante, pois o anarquismo precisa retomar os seus vetores sociais. Podem contar conosco naquilo que estiver ao nosso alcance.Um forte e fraternal abraço.Ética, Compromisso e Liberdade!


* publicada na edição de Julho/Agosto do jornal O Libertário, informativo do PAEM.