domingo, 11 de outubro de 2009

Entrevista do PAEM para Agência de Notícias Anarquistas/ANA

Agência de Notícias Anarquistas/ANA - Poderiam falar um pouco da situação política, social e econômica da cidade de Dourados?

Coletivo Para Além do Estado e do Mercado/PAEM -Dourados, segunda maior cidade do Mato Grosso do Sul, localizada na região sul do estado, próximo 100 km da fronteira com o Paraguai, é uma cidade que tem crescido ultimamente. Desde sempre controlada política e economicamente pelo latifúndio a região de Dourados é conhecida Brasil afora pela alcunha de “Portal do Inferno”, devido à violência gerada pela pistolagem latifundiária, tráfico internacional de drogas e grupos de extermínio.
Terra originalmente ocupada pela nação Guarani, assiste hoje a continuidade do etnocídio deste grande povo, esmagado em conjunto com camponeses sem-terra e remanescentes de quilombos. Com a chegada de inúmeras usinas de beneficiamento de cana nos últimos anos Dourados e região têm recebido um grande contingente de trabalhadores que vêm tentar a sorte nos feudos da indústria sucro-alcooleira, o que têm aumentado o número de moradores e feito surgir uma série de áreas de favela pela periferia da cidade. Devido às várias universidades muitos estudantes, professores e pesquisadores de todos os cantos do país têm vindo residir por aqui. Atualmente a cidade é governada por um grupo de extrema direita, ligado ao fatalismo religioso e a alguns dos mais obscuros nomes do coronelismo latifundiário. Recentes escândalos de esquemas de corrupção, alojados há décadas na prefeitura, têm causado rebuliço pela redondeza. O poder de fato é exercido, não só na cidade como em todo o estado, pelo “Sindicato Rural”, organização patronal que reúne em seu seio os maiores latifundiários e empresários do MS. Organizados em todos os partidos eleitorais os ruralistas aplicam sua política linha dura de monocultura, conservadorismo e repressão contra o povo trabalhador douradense.
Historicamente nossa cidade, assim como o estado todo, não conta com tradição de movimentos socialistas, sendo que os movimentos sociais foram sempre hegemonizados pelo PT. A partir de fins da década de 90, quando o PT começou a ganhar eleições por aqui, os movimentos passaram a ser esvaziados e levados a reboque das administrações petistas, fato que hoje coloca nossa classe numa situação de rearticulação e reinício de suas lutas, visando superar o atual cenário de refluxo organizativo em que se encontra.

ANA - E quando e como surge o grupo de vocês?

PAEM - No fim de 2003 companheiros ligados ao Movimento Estudantil e ao Fórum da Juventude Rural iniciam um processo de autocrítica e ruptura com os caminhos que vinham sendo trilhados aqui na cidade. Decidem por aprofundar o conhecimento sobre o Anarquismo, o que culmina, em 2004, no surgimento do Movimento Estudantil Autônomo e do Movimento Anarco Punk. Os grupos se fortalecem nas lutas por Passe Livre, na ocupação e acampamento na reitoria da UFGD em luta pela Moradia Estudantil e em ações culturais levadas a cabo por bandas e indivíduos punks, tudo entre 2004 e 2005.
Em 2005 a repressão abate-se sobre o movimento estudantil universitário e secundarista, depois de amplas mobilizações por Passe Livre, com ocupações da prefeitura e câmara municipal, a polícia começa a intervir pesadamente, vindo a invadir a cidade universitária (campus da UFGD e UEMS) e a enfrentar violentamente os estudantes. É iniciada uma temporada de “caça aos punks e anarquistas” na cidade, com prisões, espancamentos, perseguições, difamação de companheiros através de jornais, rádio e televisão, o que gerou uma debandada e desarticulação do Movimento.
No início de 2006 um companheiro da cidade desloca-se à Goiânia onde conhece o trabalho do coletivo Pró-Organização Anarquista em Goiás, o que lhe deixou muito impressionado e animado para a retomada do Movimento em Dourados. Nesta ocasião pode conhecer também experiências de grupos do Mato Grosso e Distrito Federal, além de tomar contato com os debates sobre a organização do Anarquismo pelo país. Em julho de 2006 é fundado o coletivo Para Além do Estado e do Mercado (PAEM) por companheiros ligados ao Movimento Estudantil Autônomo e ao Movimento Anarco Punk.

ANA - E qual a dinâmica interna de vocês?

PAEM -Por sermos um grupo de poucas pessoas e a cidade ser relativamente pequena, algo em torno de 200 mil habitantes, temos um relacionamento quase cotidiano. Todos que participam do grupo mantêm uma disciplina de estudos, contudo temos realizado esforços no sentido de pormos pra funcionar um grupo de estudos, aberto a quem queira participar, sobre a história, teoria e perspectivas do Anarquismo no mundo. A questão de recursos, muito provavelmente, é um dos grandes obstáculos que todos os grupos enfrentam. Além de cotizações, que nem sempre suprem a demanda, temos buscado outras formas de levantar recursos, através da promoção de rifas, de contribuições de leitores de nosso jornal e alguns companheiros têm entrado em contato com editoras libertárias para que possamos distribuir livros aqui pela região. Temos dedicado atenção a tudo que envolva as formas de estruturação de uma organização, buscando humildemente aprender e, aos poucos, amadurecer nossas posições e conceitos. Acreditamos no potencial de nosso projeto e vemos boas possibilidades se abrirem nos últimos tempos, inclusive o cenário libertário que vem crescendo em todo o Brasil.

ANA - E quais as principais atividades, lutas...

PAEM - Tendo fundado o coletivo, entregamo-nos à campanha contra a democracia burguesa e sua festa eleitoral, sofrendo de imediato a retaliação por parte do Estado, com a prisão de um companheiro. Em Outubro de 2006 o PAEM lança seu informativo “O Libertário”, que tem crescido de lá pra cá, onde contamos nossa história, publicamos teoria e buscamos fortalecer toda movimentação em que estivermos engajados e toda luta de nosso povo.
Desde sua fundação o PAEM atua como organismo especificamente anarquista, ou seja, no nosso grupo reúnem-se anarquistas para o debate e coordenação de suas ações junto aos movimentos e espaços onde estão inseridos e vivem suas vidas. Nossa principal atuação tem sido junto ao Movimento Estudantil, Contracultura e, agora, temos depositado grande parte de nossos esforços para a construção do Movimento Poder Popular, iniciativa de movimentação comunitária, que vem organizando-se nos bairros da periferia da cidade, criando e desenvolvendo mecanismos de resistência e empoderamento das comunidades. Além disso, temos trabalhos realizados junto à diversos outros setores e segmentos de nosso povo, e novas possibilidades têm surgido.
Estamos trabalhando na perspectiva de conseguir um espaço para o funcionamento de um Centro de Cultura Social, estamos juntando livros, revistas e jornais para estruturação de uma biblioteca libertária e estudando a melhor maneira de efetivarmos este projeto. Pretendemos com isso ampliar a abrangência da formação política libertária aqui na cidade, além de possibilitar um espaço permanente para o debate e articulação popular anticapitalista.

ANA - E como vocês se situam à luta ecológica? É uma prioridade?

PAEM - Pelo fato do Mato Grosso do Sul ser o estado onde está localizado grande parte do Pantanal tudo gira em torno da questão ecológica. Toda grande empresa ou latifúndio do MS conta com um grande aparato publicitário para promoverem –se como ecologicamente corretas, quando na verdade estão colocando preço em cada polegada deste chão e ganhando muito dinheiro com isso. Para se ter uma idéia do desmatamento, por exemplo, existem legislações que delimitam que o cone sul do MS, região de Dourados, deve ter 20% de seu território ocupado por áreas de mata, porém menos de 7% do território tem servido a esta finalidade.
No nosso entendimento a luta ecológica deve partir de uma leitura popular da situação, levando em consideração a tomada dos espaços geográficos pelo capitalismo, caso contrário corre o risco de adentrar em caminhos que a própria burguesia e o governo apontam. Vemos surgir diariamente uma infinidade de ONGs, controladas e financiadas por grandes empresas, latifundiários e políticos, dizendo estar na luta ecológica e ambiental, mas o que percebemos é que estas organizações funcionam mais como instâncias públicas dos conglomerados de empresas e especuladores que vêm comercializando e destruindo os recursos naturais de nosso planeta, ao desenvolverem pesquisas, cursos de “formação ambiental” dentro das comunidades tradicionais e venderem a imagem de filantropismo boa-praça, estas ONGs abrem caminho para a implantação do controle total dos recursos ambientais do MS pela burguesia e iniciam um novo ciclo de exploração do povo trabalhador de nossa região.
Para piorar a situação o MS vem sendo tomado pelas usinas de cana-de-açúcar, que vem levando a monocultura a um novo patamar e, através de suas queimadas, contribuindo com a poluição do ar, empobrecimento do solo e danos à saúde das pessoas.

ANA - Vocês participaram do último Grito dos Excluídos, não?

PAEM -Sim, sempre participamos deste ato, que aqui em nossa cidade é a mais tradicional manifestação de rua do povo trabalhador. Em Dourados, assim como em grande parte das cidades de interior no Brasil, são poucas as oportunidades que aparecem para uma manifestação de rua, que possibilite um espaço para apresentação de amplos leques de intervenções e debates. Com o agravamento da luta fundiária no estado nos últimos anos, em que os latifundiários têm engrossado sua política de terror contra os povos originais, remanescentes de quilombos e camponeses pobres, vários setores têm ficado assustados e têm evitado sair às ruas, por isso achamos importante comparecer e manter a resistência popular.
Pelo fato deste ato acontecer no mesmo local do desfile “comemorativo” a “independência” podemos fazer um diálogo com milhares de pessoas, além de fazer um enfrentamento à militares, políticos e ricos que sempre estão presentes no palanque de autoridades. O impacto é sempre positivo para a luta popular.

ANA - Trabalham com outros grupos?

PAEM - O isolamento tem sido um dos maiores problemas com que nos deparamos cotidianamente. Frente a isto temos entrado em contato com grupos e indivíduos de várias regiões do MS, visando à estruturação da Federação Anarquista do Mato Grosso do Sul, processo que pretendemos realize-se num médio prazo. Este diálogo deve culminar, dentro de alguns meses, no I Encontro do Anarquismo Social no MS, evento que o PAEM organizará aqui na cidade para esta tão urgente articulação dos libertários sulmatogrossenses.
Também temos buscado o contato de coletivos e indivíduos que residam em cidades do interior do Brasil, especialmente em regiões de predomínio rural, no intuito de se criar um espaço de troca de experiências e coordenação entre nós. O interior do Brasil tem várias particularidades que nem sempre encontram-se nas regiões metropolitanas, onde o Anarquismo têm maior presença, o que gera essa enorme necessidade de um entendimento entre os grupos que estão fora dos grandes centros urbanos. As áreas periféricas, especialmente as regiões de forte produção rural, têm muito a contribuir para a compreensão de nossa realidade e um importante papel a desempenhar na construção de nossa Revolução.
Temos estudado muito a experiência da Federação Anarquista do Rio de Janeiro/FARJ, que têm sido grande fonte de inspiração para os rumos que temos tomado. Somos favoráveis a uma efetiva organização nacional, que possa articular, unificar e fortalecer os vários grupos e experiências que existem e vêm se formando sob a bandeira do Anarquismo pelo Brasil afora.

ANA - Como adquirir a publicação de vocês?

PAEM - O “O Libertário” é distribuído aqui na cidade e na região pelo pessoal do PAEM e por amigos do coletivo. Quem tiver interesse em distribuir, ou simplesmente adquirir um exemplar de nosso jornal pode entrar em contato pelo e-mail ou por nossa caixa postal. Queremos, aos poucos, enviar para bibliotecas e arquivos de coletividades anarquistas do Brasil, portanto os grupos que mantêm estes espaços entrem em contato conosco.

ANA - Mais alguma coisa? Valeu!
PAEM - Agradecemos o espaço e a oportunidade de falarmos um pouco sobre nossa humilde, mas sincera história. Saudamos todos o/as compas e estamos de braços abertos aos camaradas de luta. VIVA A ANARQUIA!

PAEM - Caixa Postal 17- Dourados/MS - 79804-970
E-mail:
paraalem@portugalmail.pt