sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A frente de classes oprimidas como sujeito revolucionário


Escrito no 11º Congresso da Federación Anarquista Uruguaya (F.A.U.) em 1994, como parte do documento Elementos de Estrategia, de onde o extraímos e traduzimos.


Nós temos estabelecido, em primeiro lugar, a necessidade de uma solução popular como conseqüência de um longo processo de lutas de orientação revolucionária, em segundo, o necessário protagonismo das organizações populares de base e, em terceiro lugar uma nova e inédita estrutura político-social que articule adequadamente o protagonismo do povo. Uma nova estrutura anti-autoritária por excelência, que é anunciada desde o surgimento do socialismo pelos libertários, ainda que em traços muito gerais e insuficientes.
Estes elementos são partes fundamentais de nossa estratégia de poder popular, são condições insubstituíveis de um percurso autenticamente socialista e libertário na peripécia revolucionária de nossos povos.
Contudo, precisam de um complemento indispensável ou de uma maior definição do sujeito revolucionário e de suas bases estruturais no que diz respeito a seu conteúdo de classe. Para tanto, definiremos esquematicamente o tema no que é essencial para os resultados deste trabalho. Como temos visto, as relações de dominação próprias de uma determinada sociedade se originam no elemento constitutivo das classes sociais.
Por outra parte, as relações de dominação existentes no interior de uma sociedade concreta, não só recusam qualquer tipo de simplificação que melhor determinam um complexo espectro de classes sociais e das lutas das classes que as acompanham.
O que certamente podemos e devemos determinar, grosso modo, nos marcos de uma complexa e diversa luta de classes, é o conjunto de classes oprimidas que por sua situação social, por sua condição de segmentos dominados da sociedade, estão chamados a constituírem-se no eixo e no motor de mudanças sociais de possibilidades revolucionárias.
Para efeito de firmar critérios é necessário levar em conta, em primeira instância, dois elementos:
* o caráter da revolução e
* o espectro das classes nos países latino-americanos.
A revolução que estabelecemos como objetivo final é uma revolução socialista e libertária que, como tal, delimita desde o inicio amigos e inimigos. Uma revolução anticapitalista e anti-autoritária aponta inconfundivelmente para o desaparecimento das relações de dominação e, portanto, contra a sobrevivência de todas as classes e camadas dominantes. É uma revolução que deseja o desaparecimento da burguesia como classe – sem as clássicas restrições filantrópicas do reformismo entre a grande e a pequena burguesia, nacional ou estrangeira, o desaparecimento de latifundiários e dos que vivem de renda, castas militares e hierarquias estatais.
Entre estes setores sociais só um reformismo continuísta pode encontrar aliados. A revolução socialista e libertária, precisamente por seu conteúdo radicalmente anticapitalista e anti-autoritário, só pode encontrar combatentes nas classes oprimidas. Nesse sentido o papel central num processo revolucionário de orientação socialista e libertário equivale às classes oprimidas e, dentre elas muito particularmente a classe trabalhadora.
De nenhuma forma a algum setor da burguesia. Está claro que nos países capitalistas atrasados e dependentes como os latino-americanos – com a particular estrutura econômica e de classe que isso determina – não se pode pensar nas possibilidades de uma revolução protagonizada exclusivamente pelos núcleos do proletariado fabril e possivelmente nem sequer pelos assalariados em sua totalidade.
Menos ainda neste momento histórico, onde, por exemplo, nosso continente tem enormes contingentes de desempregados e subempregados. Onde as estatísticas nos dizem que mais da metade de seus habitantes estão abaixo da linha da pobreza.
É preciso pensar na construção, como ferramenta estratégica básica para um processo de revolução social, de uma frente de classes oprimidas que busque ter como núcleo central a classe operária, mas que inclua além destes os trabalhadores rurais, a grande diversidade de trabalhadores por conta própria – setor progressivamente engrossado pela crise e pelas respostas do sistema ante as mudanças tecnológicas -, aos excluídos que reivindicam trabalho, aos estudantes – setor potencialmente assalariado no contexto de reorganização produtiva capitalista – chamado a constituir-se em proletariado cientifico e tecnológico.
Em traços gerais, então, a frente de classes oprimidas a que fazemos referencia se constitui como uma rede de relações permanentes, ligada programaticamente, da multiplicidade de organizações de base capazes de expressar na luta os interesses imediatos destes setores sociais e de desenvolvê-los e aprofunda-los no sentido de metas e orientações de tipo transformador e socialista. Frente de classes oprimidas que irá configurando em seu desenvolvimento as formas organizativas eficientes para a luta e o avanço.
O conjunto dos setores oprimidos conta com um poder em estado latente: o poder de decidir o funcionamento ou a paralisação da sociedade e do sistema de dominação. Este poder latente é a raiz do poder popular, para cuja realização se requer uma ampla série de intervenções.
Entre elas, e não precisamente a menos importante, se exige uma plena tomada de consciência socialista e revolucionária.
Mas na dinâmica imperativamente coercitiva do sistema de dominação, não é suficiente apenas um povo favorável e bem disposto à mudança – obviamente, muito menos um com potencialidades que em nada se expressam -: é imprescindível contar com o povo organizado e em luta pelas mudanças.
Este pode ser o combate deste momento na América Latina, em nosso Uruguai. Muito variadas podem ser as formas de mobilização e resistência, de reivindicações, das classes oprimidas.
Este combate exige colocar-se a altura do inimigo em organização, em técnica, em preparação para a luta em suas diferentes formas, mas superando-os em moral, em democracia interna, em firmeza ideológica. Abre-se uma nova etapa, para uma velha esperança de justiça e liberdade, que demandará esforços redobrados.



* publicado na edição de Março/Abril do jornal O Libertário, informativo do PAEM.