terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Liberdade


Escrito pela União Regional Rhône-Alpes da Federação Anarquista Francófona, extraído do livro O Anarquismo Hoje — Um projeto para a Revolução Social, lançado no Brasil numa parceria entre FARJ, Coletivo Terra Livre, Ed. Imaginário e Faísca Publicações em 2005.


O que quer dizer ser livre? Concretamente, a liberdade é um poder: aquele de agir ou não agir. Somos livres quando ninguém nos impede de fazer de nossa vida o que queremos e quando ninguém nos impõem sua vontade (pela força ou pela manipulação). A liberdade é, de saída, uma relação social (ela não existe na natureza, é uma criação humana). Não podemos ser livres lá onde existe uma hierarquia de comando e poderes de coerção: quando um Estado obriga-nos a fazer um serviço nacional (militar ou civil) ou quando estamos à mercê dos patrões que têm todo o poder de empregar-nos ou demitir-nos, somos, evidentemente, sempre “livres” de nos revoltar, mas não somos livres, socialmente falando.
Segundo a famosa fórmula “a liberdade de uns pára lá onde começa a dos outros”, apresentam-nos a liberdade como algo que devemos evitar. Ela seria, inclusive, extremamente perigosa por ser sinônima de “fazer tudo e qualquer coisa”: “Se eles fosse totalmente livres de fazer o que bem lhes aprouvesse, os humanos entredestruiriam em um caos generalizado e a vida em sociedade tornar-se-ia impossível!”... Este discurso não é ingênuo. Ele permite justificar o princípio de Autoridade e transformar a liberdade num “ideal inacessível”. Não é mais que um motivo de encantamento, reservado para efeito de barganhas dos tribunos políticos. Nos atos, só são toleradas liberdades parciais, enquadradas pelo Direito e pela Lei. A Constituição autoriza-nos a greve bem comportada e o direito de associação, mas azar daquele que ousar não se submeter e rebelar-se! Em resumo, estamos todos em liberdade vigiada!
Em oposição a esta visão redutora tanto quanto hipócrita, os anarquistas desenvolveram uma concepção social da liberdade humana. Quando, em suas revoltas e suas lutas, as populações exigiram a liberdade, não se tratava de uma liberdade abstrata e filosófica, mas uma liberdade associada ao princípio igualitário. Para nós, a liberdade não pode existir sem a igualdade econômica e social. Liberdade e Igualdade são indissociáveis. A liberdade é plena e inteira quando o indivíduo, emancipado de todas as tutelas e de toda dominação, tem a possibilidade de construir e manter relações voluntárias com os outros. Se ser todos livres significa ausência de dominação, é preciso, para que eu seja perfeitamente livre, que os outros também o sejam: a liberdade de cada um é a condição da liberdade de todos, e, como dizia Bakunin, “A liberdade dos outros amplia a minha ao infinito”.
Por sinal, visto que os indivíduos são seres sociais, a liberdade não é a recusa de todas as disciplinas. Para organizar-se com os outros, o indivíduo deve assumir engajamentos, estabelecer entendimentos e respeitá-los. Alcança sua completa liberdade quando pode escolher seus contratos e negociar seus termos. Enfim, toda censura é-nos insuportável pois ela supõe um poder, uma Autoridade para exercê-la. Se uma opinião parece-nos perigosa, no que ela representa e deixa supor como atos vindouros, nada resolvemos proibindo-a. Sustentar que não se deve deixar a palavra aos inimigos da liberdade é o melhor meio de ir à ditadura.

* publicado na edição de Maio/Junho de 2009 do jornal O Libertário, informativo do PAEM