segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O autoritarismo da subjetividade: entrevistas de emprego, co-gestão e flexibilização trabalhista como formas de domínio patronal


As modernas formas de controle que o patronato vem utilizando contra os trabalhadores ultrapassam, atualmente, o conceito clássico de domínio estrutural e repressivo. Toda uma nova categoria de subjetividades está sendo criada, no intuito de penetrar na intimidade das pessoas e exercer, a partir daí, uma manipulação ideológica mais complexa e total.






Entrevistas de emprego e a nova estratificação
social

Uma das mais subliminares e autoritárias armas que a burguesia e o estado têm empregado neste terreno são as entrevistas de emprego. Escondendo-se sob o manto discursivo de que tais entrevistas seriam formas modernas e democráticas de seleção, que teoricamente buscariam valorizar o “perfil” do trabalhador, o conservadorismo burguês dispõe de todo um leque de ferramentas, estudadas e forjadas em pesquisas de Psicologia e Ciências Sociais, para impor um padrão único de comportamento e engajamento para os trabalhadores. As entrevistas, por se tratarem de processos onde a lógica decisiva não é esclarecida aos participantes, abrem espaço para que posições políticas reacionárias sejam o parâmetro referencial da nova organização do trabalho que a burguesia e os estados têm obrigado os trabalhadores a se enquadrarem. Numa dada situação, por exemplo, em que o patrão (burguês ou estado) alimente idéias e sentimentos racistas, a prática de seleção através de entrevistas possibilita com que um trabalhador negro, indígena ou mestiço seja automaticamente dispensado, em razão da cor de sua pele e não de suas habilidades técnicas. Da mesma forma posições machistas, homofóbicas, e preconceitos religiosos saem fortalecidos neste cenário.
Toda forma de seleção, independente de seu método, traz em si germes, e às vezes muito mais, do autoritarismo, por que vem imbricada à lógica de que alguns são aptos e outros não. Contudo os modelos de seleção chamados de subjetivos e modernos possibilitam enquadramentos antes imagináveis apenas em ficção científica, já que autorizam e forjam mecanismos reais de estratificação social permanente, garantindo às classes dominantes o poder de organizar e modificar, a seu bel-prazer, os postos e categorias dos trabalhadores dentro do processo produtivo. Além de que qualquer candidato a uma vaga de trabalho que tenha posições ideológicas e engajamentos políticos contrários à vontade patronal, seja não apenas dispensado da vaga como também tenha seus dados catalogados e colocados à disposição de organizações patronais, como a ACID (Associação do Comércio e Indústria de Dourados) aqui em nossa cidade, permitindo com que a burguesia saiba de antemão quem são elementos “perigosos e subversivos”, e impeçam com que consigam um emprego.



Co-gestão e as novas formas
de controle nos locais de trabalho

Nos locais de trabalho as pessoas empregadas vêm enfrentando um rearranjo da organização espacial e administrativa mundialmente. O capitalismo neoliberal vêm adotando formas pseudo-democráticas de organização do local de trabalho, a chamada co-gestão ou gestão participativa, gerando a ilusão de uma suposta participação dos trabalhadores nos rumos das empresas, através de fóruns em que o trabalhador teria o “direito” de debater aspectos da rotina do emprego com o patrão ou seus gestores. Mesma lógica que vários órgãos estatais vêm, em menor ou maior grau, adotando.
Esta maior participação funciona da seguinte forma: a burguesia, através de seus gestores, que são uma categoria de exploradores que vêm tomando corpo e se fortalecendo ultimamente, resguarda para si o monopólio de decisão sobre o que produzir e como distribuir esta produção e, “generosamente”, coloca aos cuidados dos empregados a busca das melhores formas para se cumprir as deliberações patronais. Ou seja, a burguesia decide o objeto e a finalidade da produção, deixando aos trabalhadores escolher a melhor forma de organizarem sua própria exploração. Esta prática na verdade nada tem de benevolência por parte dos patrões. Recentes e vastos estudos vêm sendo desenvolvidos há décadas, financiados pela alta burguesia internacional, visando descobrir meios e implantar políticas que potenciem a exploração do trabalhador, utilizando-se de técnicas psicológicas de incentivo, acriticismo e iniciativa competitiva.
Esta situação tem gerado o surgimento de casos e trabalhadores, que por estarem empregados nestas organizações “participativas”, aceitam sua demissão e a dos companheiros de emprego como uma decisão para o bem maior da empresa, esquecendo-se que o lucro da produção, realizada por ele e seus companheiros, fica todo no bolso do patrão.
Flexibilização trabalhista e
peleguismo sindical
Estes mecanismos de dominação patronal comentados encontram seu terreno de atuação dentro das políticas de flexibilização do trabalho, levadas a cabo pela Reforma Trabalhista do governo Lula. O desmantelamento de vários direitos conquistados, através das lutas históricas da classe trabalhadora no Brasil, como 13º salário, férias remuneradas e estabilidade empregatícia, também vêm maquiado por um discurso subjetivo às vezes não muito simples de identificar. Várias políticas vem sendo implementadas buscando transformar os trabalhadores em prestadores de serviços, com registro junto ao fisco (abertura de CNPJ), e colocando-os numa posição de “igualdade” perante os patrões. Ou seja, o trabalhador deixa de ser um assalariado, com direitos como os citados acima, e passa a se relacionar como uma empresa perante o possível empregador. Porém essa relação empresarial inicia-se com a “empresa-trabalhador” não dispondo de nada além do que sua força de trabalho, enquanto a “empresa-patrão” dispõe do dinheiro e da estrutura para que o serviço seja prestado.
Este quadro tem sido agravado pelo cenário de refluxo das lutas populares e sindicais de base, onde as principais centrais sindicais do país estão atreladas a parlamentares e ao governo, e vêm, dia após dia, vinculando os sindicatos ao estado e permitindo a intromissão patronal-burguesa nas organizações de trabalhadores. A lógica pelega da tutela estatal-burguesa tem servido para fortalecer uma burocracia sindical correia de transmissão dos partidos eleitorais, fazendo com que os dirigentes sindicais constituam-se hoje numa categoria fora da rotina de produção, interessada e trabalhando exclusivamente para conchavos politiqueiros e alianças com o setor patronal.



A objetividade nas lutas



Todos estes conceitos subjetivos, criados por especialistas em manipulação psicológica e publicitária a serviço da burguesia e levados a termo por assediadores morais das mais diversas estirpes, só podem ser contrapostos pela objetividade da luta popular pela transformação da sociedade. Colocar em xeque estas novas formas de controle dentro e fora dos locais de trabalho, através de uma crítica popular e radical, é uma tarefa que deve ser executada pelas organizações de luta das classes oprimidas.
Esta conjectura representa um rearranjo da exploração e das funções produtivas e coloca em evidência, como agentes potenciais de transformação social, categorias que não desempenham uma função central dentro da lógica moderna de produção capitalista, como os desempregados e trabalhadores informais/precarizados. Esta situação traz à tona o debate da autonomia dos trabalhadores perante os patrões e estado, e aponta para a necessidade de uma nova articulação de luta sindical e popular, que esteja afastada da tutela estatal-burguesa, e que vislumbre um projeto mais amplo de transformação da realidade, não se contentando com belos discursos e manipulações benevolentes do patronato, mas que busque a superação da lógica autoritária do mercado e do estado. É na organização de base das classes oprimidas que encontra-se o caminho para esta outra realidade possível, uma realidade autogestionária, livre e socialista.


* Publicado na edição de Setembro/Outubro de 2009 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.