terça-feira, 6 de julho de 2010

A visão libertária de Movimentos Sociais


Escrito pela Federação Anarquista do Rio de Janeiro/FARJ, como parte de seu programa aprovado em seu I Congresso realizado em 30-31 de agosto de 2008, extraído da obra Anarquismo Social e Organização, lançada por FARJ e Faísca Publicações em 2009. O título é nosso.

Os movimentos sociais são fruto de um tripé composto pela necessidade, vontade e organização. Este tripé motiva a criação de diversos movimentos sociais por todo o mundo; e no Brasil, isso não é diferente. Há aqui movimentos de sem-terra, sem-teto, desempregados, comunitários, pela qualidade e melhor preço dos transportes. Há movimentos de catadores de lixo reciclável, indígenas, estudantis, de direitos humanos, sindicais, feministas, negros, gays, de conselhos populares, artísticos, culturais, ambientalistas, entre tantos outros. Estes movimentos têm em comum o fato de surgirem a partir da dominação e da exploração da sociedade em que vivemos, sendo, muitos deles, fruto da luta de classes.
No entanto, não são muitos os movimentos sociais que buscam construir a organização popular ou mesmo combater o capitalismo e o Estado. Muitos deles estão imbuídos de características e valores da sociedade capitalista e, mais do que isso, muitas vezes estão propagando estas características e estes valores. A maior parte desses movimentos, que poderíamos chamar reformistas, acredita que há solução para suas questões dentro do capitalismo. Ou seja, o fim de grande parte destes movimentos é a obtenção dos ganhos de curto prazo, dentro do capitalismo, e nada mais. Além disso, na maioria dos casos, os movimentos sociais não estão devidamente articulados entre si e realizam cada um a sua luta, sem articulação entre elas. Portanto, não apontam nem para um início de construção da organização popular. Isso mostra que, apesar de haver uma série de movimentos sociais, o fato é que as características e formas de atuação destes movimentos não estão, na sua grande maioria, em acordo com aquilo que pensamos ser apropriado. Os meios que vêm escolhendo não conduzem aos fins defendidos por nós.
Os movimentos sociais que defendemos, e que pensamos estarem contribuindo com nosso projeto político, possuem certas características e formas de atuação.
Eles são os mais fortes possível, com o maior número de pessoas e boa organização, estando voltados para a luta que elegeram como prioritária. Então, um movimento de sem-terra deve abarcar todos aqueles que estão dispostos a lutar pela terra, um movimento se sem-teto deve abarcar todos que estão dispostos a lutar pela moradia e assim por diante. Assim, acreditamos que os movimentos sociais não devem caber e encerrar-se dentro de uma ideologia, seja ela qual for. Não acreditamos em movimentos sociais anarquistas, marxistas, social-democratas ou de qualquer outra ideologia específica. Portanto, nos movimentos sociais que nos dispomos a criar ou a desenvolver devem “caber” pessoas das mais diferentes ideologias. Para nós, um movimento social anarquista, ou de qualquer outra ideologia, só tenderia cindir a classe dos explorados, ou mesmo aqueles que estão interessados em lutar por uma determinada causa. Ou seja, é a necessidade, e não a ideologia, a força que deve impulsionar a criação e o desenvolvimento dos movimentos sociais. Assim “nenhuma teoria filosófica ou política deve entrar, como fundamento essencial, e como condição oficial obrigatória no programa [...]. Mas isso não implica que não possam e não devam ser livremente discutidas [...] todas as questões políticas e filosóficas”.
Apesar de acreditarmos que os movimentos sociais não devem caber dentro do anarquismo, pensamos que o anarquismo deve ser, o máximo possível, difundido dentro dos movimentos sociais. (...) os movimentos sociais que defendemos não são e nem devem ser anarquistas, mas sim, terreno fértil ao anarquismo.

* publicado na edição Março/Abril de 2010 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.