domingo, 1 de agosto de 2010

Declínio da classe operária ou nova metamorfose do proletariado


Escrito por Paul Boino, extraído da obra O Bairro, a comuna, a cidade... Espaços Libertários, lançada por Editora Imaginário,IEL e Nu-Sol em 2003.





Com efeito, essa constatação convida-nos inevitavelmente não a negar as mutações sociais em curso, mas a relativizá-las, ressituando-as numa perspectiva histórica mais ampla. Ela nos leva a recordar que não é a primeira vez que ocorre um importante salto tecnológico; que isso sempre provocou fortes evoluções sociais e que, no entanto, as questões sócio-econômicas não desapareceram; que, todavia, a estruturação em classes da sociedade não foi fundamentalmente afetada, embora o conteúdo e a posição respectiva das diferentes classes tenham mudado no decorrer do tempo.

A primeira revolução industrial não engendrou o declínio dos operários-artersãos e a expansão dos operários de indústria? A segunda revolução industrial não substituiu o antigo operário de ofício pelo operário especializado, cujo O.E. metalúrgico, sindicalizado, empregado vitalício, ou quase, numa grande fábrica fordista constitui o arquétipo que todos conservamos em memória? Apesar de tudo, as mutações em curso não se inscrevem nessa continuidade multissecular? Quando alguns, e Bookchin entre eles, falam de declínio, senão de desaparecimento da classe operária, não é, de fato, uma dessas formulações historicamente datadas e geograficamente localizadas, que tende na realidade a atenuar-se para dar origem a uma nova forma de proletariado do qual ainda se tem alguma dificuldade, é verdade, a apreender a organização, a estruturação e os contornos?

Entre a hipótese de uma fusão social numa imensa e única classe média e aquela de uma reformulação da divisão em classes da sociedade, cada um pode evidentemente escolher como bem lhe aprouver, mas existem, contudo, fatos que tendem a mostrar que a segunda hipótese é sem dúvida amplamente mais bem fundada que a primeira.

Para que a hipótese da homogeneização tivesse fundamento, seria preciso, por um lado, que as desigualdades sociais não estivessem mais ligadas à posição social de origem dos indivíduos ou àquelas de seus pais, mas, ao contrário, que elas dissessem respeito apenas a questões de trajetórias individuais mais ou menos bem sucedidas. Seria preciso, por outro lado, que o que diferenciasse e, inversamente, unisse os indivíduos não tivesse mais nada a ver com questões de posições coletivas na hierarquia social, mas com escolhas individuais e sua capacidade igualmente individual de assumir essas escolhas. Seria necessário, enfim, que as diferenças sócio-econômicas tendessem globalmente senão a desaparecer, ao menos a diminuir.

Em outros termos, três tipos de indicadores podem nos permitir apreender melhor qual dessas hipóteses é válida, qual não o é: a reprodução ou não das classes sociais, a diferenciação entre classes sociais e a homogeneidade no seio das classes sociais, e, enfim, a homogeneização ou a polarização da sociedade.

Quanto à reprodução das desigualdades sociais de uma geração à outra, reprodução que funda em parte a noção de classe social, muitas pesquisas já puderam esclarecer-nos precisamente quanto ao futuro dos filhos de operários. Estes últimos tendem efetivamente a tornar-se, por sua vez, não todos operários mas preferencialmente empregados no setor de serviços ou comércio. Há, pois, modificação sensível das condições de emprego e dos sistemas de emprego que, de fato, revelam-se muito mais precários do que no passado. Mas se observarmos a posição relativa ocupada pelos pais operários e por seus filhos empregados na hierarquia social, perceberemos que ela não é sensivelmente diferente. Tanto uns quanto os outros permanecem em posição de dominados, sem nenhum controle dos meios de produção e de troca (além da greve, seguramente), sem outro recurso para viver senão alugar sua força de trabalho seja ela manual ou intelectual. Desses primeiro elementos, parece-nos então claramente que a classe operária de outrora está, talvez, em nossos países, em declínio numérico, mas que, no entanto, o proletariado está muito longe de desaparecer. Esse proletariado, do qual participam os operários stricto sensu, reproduz-se geração após geração, conquanto as transformações dos processos de produção (a tecnologização) modifiquem sua materialidade, as condições de vida e a organização sócio-espacial.

Quanto à diferenciação entre grupos sociais agora, sem dúvida que já não estamos no tempo do jaleco para os operários e da camisa com folho de renda para os notáveis. Todavia, os processos de distinção entre grupos sociais e de imitação no seio dos grupos sociais continuam a operar-se, de certo, de modo mais sutil, mas tão eficaz quanto antes. Para só tomar um exemplo, as marcas ostensivamente exibidas nas vestes dos jovens suburbanos, e isso qualquer que seja sua origem cultural, não podem e não são, evidentemente, confundidas por ninguém com as roupas dos jovens burgueses cuja qualidade do corte basta por si só para marcar a posição social.

Esses elementos de distinção exprimem-se tanto nas roupas quanto na alimentação, quer se creia ou não, os hábitos culturais (cinema, teatro, livros, música), ou ainda, e de maneira ainda mais sutil, através dos códigos gestuais, da linguagem, da pronúncia, igualmente do humor... Com o salário e o emprego, eles marcam no mais profundo de nossos cotidianos aquilo do que se participa e do que não se participa, o que se é e o que não se é, de onde se vem e a que se aspira.

No que concerne à questão da tendência à homogeneização, mesmo relativa, das condições de vida e dos modos de vida, outras pesquisas puderam mostrar que nem terceirização, nem a urbanização significam que estejamos em tal dinâmica. Bem ao contrário.

O que se denomina crise econômica, desde o início dos anos 1970, e que, de fato, não é uma para todo mundo, dá lugar a um agravamento das desigualdades sociais, tanto entre países ricos e pobres, quanto, no seio dos países ricos e no seio dos países pobres.

Como lembra o refrão das estatísticas sobre os salários e as condições de vida, nesses trinta últimos anos, as classes mais privilegiadas não cessaram de escavar o fosso que os separa das classes mais desfavorecidas.

Em conclusão, a questão social, aquela das relações entre classes sociais, permanece no âmago de nossas sociedades... e determina sempre outros campos (e não todos os campos). Como projetar resolver, por exemplo, os problemas ambientais, sem questionar a corrida ao lucro, que conduz certos petropoluidores a fretar banheiras velhas que vêm regularmente vomitar seu óleo diesel sobre as praias bretãs, e, neste caso, ao menos se fala e se mobiliza.



* publicado na edição Maio/Junho de 2010 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.